Cuidados Paliativos, uma entrevista

Geriatria

Cuidados Paliativos, uma entrevista

Captura de Tela 2025-05-29 às 10.02.07
1) Quais são os principais dilemas éticos enfrentados por médicos na fase final da vida de um paciente? Como equilibrar o princípio da autonomia do paciente com a responsabilidade médica?
Na fase final da vida de um paciente, nós médicos enfrentamos dilemas éticos complexos, que envolvem os princípios fundamentais da bioética: autonomia, beneficência, não maleficência e justiça. É essencial equilibrar o respeito à vontade do paciente com o nosso dever profissional de promover o bem-estar, evitar danos e tratamentos fúteis. Para isso, a comunicação empática, com decisão terapêutica compartilhada com paciente, representante legal e/ou familiares, auxilia na eficiência da nossa prática médica e possibilita o seguimento da bioética.
2) Como conduzir conversas difíceis com pacientes e familiares sobre limitações terapêuticas, sedação paliativa e decisões de não reanimação? Há critérios éticos e humanos que guiam esses diálogos?
Primeiramente é importante se importar com o paciente e se preparar tecnicamente para se comunicar, com sensibilidade, tempo para responder todas as dúvidas e traçar com tranquilidade o plano terapêutico proposto. O preparo do ambiente é importante, com mistura do paciente, entre seus familiares e profissionais da equipe de saúde. Percebe-se como cada um está e se comporta, e então, é feito o convite para a conversa e diálogo. Fala-se com sinceridade, com pausas e de maneira simples, sanando-se todas as dúvidas apresentadas. É importante saber lidar com as emoções manifestadas e se posicionar de maneira receptiva e acolhedora, sem distratores e com tempo disponível. Finalmente, são feitas metas, com abordagem do prognóstico e resumo dos desejos, valores e tratamentos a serem implementados e respeitados, além de registro das decisões com clareza em prontuário. Ressalta-se ainda, que de acordo com a resolução do CFM de 2006, limitar ou suspender intervenções é semelhante do ponto de vista ético e técnico, tendo como objetivo a garantia da oferta dos cuidados paliativos para aliviar o sofrimento, mesmo que isso signifique suspender tratamentos que prolonguem a vida.
3) Na sua experiência, como os cuidados paliativos contribuem para um fim de vida mais digno? E por que ainda há resistência, em alguns contextos, em aceitá-los como parte do cuidado integral?
O processo de morte, de perda de uma pessoa numa família, envolve sofrimentos que são acolhidos e cuidados na abordagem paliativa, de maneira ampla, seja no alívio de sofrimento físico, psíquico, social e espiritual. Dessa forma, há uma maior qualidade de vida, com controle de sintomas apresentados no final da vida e um entendimento da morte como um processo natural e digno. Acredito que ainda há resistência em alguns contextos devido à falta informação sobre a definição dos cuidados paliativos, comunicação equivocada sobre as abordagens implementadas, questões culturais  e até mesmo dificuldade em lidar com a morte pelos próprios profissionais de saúde..
4) A formação médica tradicional prioriza a cura. Como foi para você aprender, na prática, a cuidar também quando não há mais possibilidade de reversão da doença?
Realmente durante minha formação médica tradicional, ouvi pouco sobre o processo do morrer e como lidar com o paciente e família nessas situações. Apesar disso, eu vivenciava diariamente progressões de doenças incapacitantes e eventuais mortes em diversos contextos. Não somos preparados para essas perdas! Aprender, então, sobre os cuidados paliativos me fez uma profissional melhor, com olhar mais amplo sobre o significado da vida (e da morte),  além de mais capacitada para proporcionar qualidade de vida às pessoas com doenças ameaçadoras da vida, desde o seu momento inicial, no diagnóstico, até o final de suas vidas.
5) O que você já pode aprender com os pacientes que tenha acompanhado até o fim? E o que gostaria que outros colegas médicos soubessem sobre o verdadeiro significado de cuidar, mesmo sem curar?
Ahhh já aprendi muito! Inúmeras histórias, individualizadas, desejos diversos e visões particulares do que realmente significa na vida de cada pessoa. Já vi e ofereci alimentos específicos para pacientes que não comiam nada e comeram com prazer e voracidade; pacientes que desejavam falecer em casa diante de seus familiares, sem ir para hospital de jeito nenhum; além de aprender que é muito sofrimento morrer com dor, falta de ar, náuseas…
O verdadeiro cuidar é estar ao lado, junto ao paciente e família, escutar seus desejos e valores e traçar, em conjunto à equipe multidisciplinar, o melhor plano terapêutico, centrado na pessoa, com alívio do sofrimento, respeito e dignidade.
Back to top